Escrito por: Vanessa Gonzaga Brasil de Fato | Recife (PE) |
Imagens mostram homens furtando câmeras de segurança e tentando invadir casa; suspeitos estão em liberdade
2022 começou com o acirramento do conflito por terra em Pernambuco. Imagens divulgadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na última semana mostram mais um episódio do problema que permanece no Engenho Batateiras, localizado no município de Maraial, Zona da Mata Sul de Pernambuco.
De acordo com a nota divulgada pela pastoral, “dois homens,conhecidos por andarem armados na localidade, se dirigiram até o sítio de um casal camponeses, roubaram as câmeras de segurança e tentaram arrombar a casa”. O material roubado foi instalado pelo próprio Governo do Estado, por meio do Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PEPDDH), no qual a família está inserida por já vir sofrendo ameaças há dois anos.
Os acusados, cujos nomes não foram divulgados, chegaram a ser detidos após a denúncia na Delegacia de Polícia Civil de Maraial, mas foram liberados após audiência de custódia.
Uma das vítimas, Vanessa Oliveira, relata o medo que agora ronda a própria casa “Nós somos ameaçados de morte desde 2020. Querem que a gente saia da nossa casa. Como uma pessoa que tem armas, mora a 200 metros da minha casa faz isso e pode ser liberada? A gente é quem tem que sair da nossa residência? Eles mesmos nos disseram que queriam nos dar ‘um susto’”, explica.
A advogada e assessora jurídica da CPT, Mariana Vidal, diz que ainda não se sabe porque os acusados foram soltos “Eles foram presos em flagrante, porque encontraram as câmeras e armas na residência dos acusados. Nós ainda não tivemos acesso ao inquérito para entender qual a fundamentação da decisão do Juiz que concedeu essa liberdade”, ressalta.
As vítimas suspeitam que a ação tem relação com o titular da propriedade do imóvel, Walmer Almeida da Silva, ligado à empresa IC Consultoria em Empreendimentos Imobiliários LTDA, que já protagonizou diversos episódios de violência contra as quase 50 famílias que vivem no local.
Mesmo com o registo do Boletim de Ocorrência e o acionamento da PEPDDH, Vanessa teme pelo futuro, que é incerto. “Quem quer tirar a gente do sítio é Walmer. Quem quer que a gente desocupe o sítio é ele. Eu não posso dizer com toda certeza, mas eu tenho essa desconfiança e não descarto essa possibilidade. Nós estamos passando por essa situação altamente estressante, mas não vamos sair daqui. Se acontecer alguma coisa com a gente, a responsabilidade é de quem soltou [os acusados]”.
Entenda o conflito
Este é mais um episódio que compõe um antigo conflito fundiário na zona rural do município de Maraial e que se acirrou nos últimos dois anos. De acordo com a CPT, o titular da propriedade do imóvel é Walmer Almeida da Silva. “Walmer não consta no quadro societário da empresa, que tem hoje sócios laranjas, que são os filhos dele, mas quem comanda a empresa é ele e desde 2020 ele iniciou essa ofensiva contra as famílias", explica Vidal.
Em maio de 2020, a IC Consultoria em Empreendimentos Imobiliários LTDA começou a reivindicar a posse do terreno. As famílias vivem há mais de 70 anos no local e vivem dos frutos da agricultura familiar.
Já no mês de agosto de 2020, cerca de cinquenta famílias foram encurraladas em suas casas e tiveram todas as estradas de acesso aos sítios bloqueadas. Depois da intervenção da Prefeitura de Maraial e do Governo do Estado, apenas uma das estradas foi desobstruída e até hoje trechos continuam bloqueados, segundo as famílias.
Há exatamente um ano, em janeiro de 2021, três famílias da comunidade conquistaram a manutenção de posse da terra, o que garante a permanência das famílias até o fim dos processos jurídicos. Uma dessas famílias é a de Vanessa. A decisão veio de uma liminar da juíza Carolina de Almeida Pontes de Miranda, da Vara Única da comarca do município.
Apesar da conquista dos três agricultores, outros 44 ainda aguardam julgamento do pedido de manutenção da posse e as três manutenções concedidas foram recursadas pela IC Consultoria. A empresa conta com 13 processos registrados no JusBrasil e seis são de usucapião.
No decorrer dos dois anos, um dos órgãos que vinha mediando a situação era a Prefeitura Municipal de Maraial. Procurada pela reportagem, o órgão se limitou a informar que teve conhecimento dos últimos acontecimentos e que “as providências tomadas foram feitas através da Polícia Militar de Pernambuco, que identificou e deteve os responsáveis por tais atos, inclusive com a apreensão de armas de fogo que encontrava-se no local”.
Enquanto isso, os moradores denunciam que o conflito tem impedido a produção agrícola de todas as famílias e teme que as ameaças continuem. A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco tentou contato através de ligações com a IC Consultoria em Empreendimentos Imobiliários LTDA e também com a Delegacia de Polícia Civil de Maraial, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria.
Edição: Rani de Mendonça