Escrito por: CUT

Justiça manda União e terceirizada indenizarem funcionária humilhada

Em 27 de setembro de 2016, segundo notícias da época, hackers teriam invadido o site do Ministério da Saúde e incluído dois eventos inusitados na agenda do ministro.

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O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), de Brasília, condenou a União e a empresa terceirizada Brasfort Administração e Serviços a pagarem indenização por danos morais a uma trabalhadora que prestava serviços na Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS), acusada de hackear o site do Ministério da Saúde, em 2016, de acordo com reportagem de Conceição Lemes, do Viomundo.

Em 27 de setembro de 2016, segundo notícias da época, hackers teriam invadido o site do Ministério da Saúde e incluído dois eventos inusitados na agenda do ministro. O primeiro, às 19h, seria a renúncia do (vice) presidente da República #ForaTemer. Antes disso, às 18h, ele teria uma reunião com ministros e líderes da base aliada do GOLPE.

Uma cópia da agenda alterada do então ministro, o engenheiro Ricardo Barros, circulou pela internet e o site do ministério ficou fora do ar por algumas horas. Duas trabalhadoras, umas delas, Osmarina Alves do Nascimento, que era secretária terceirizada do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde (DEPREPS), foram acusadas da ação e humilhadas no corredor do ministério.

Uma semana depois, Osmarina foi demitida da Brasfort, entrou com uma ação trabalhista contra a União e a empresa terceirizada e até agora não conseguiu se recolocar no mercado de trabalho.

Em um trecho da sentença publicada na segunda-feira (29) afirma que “as provas produzidas revelaram a ocorrência de tratamento humilhante e inadequado atribuído à reclamante no ambiente de trabalho, com condutas abusiva e humilhações públicas”.

“Com efeito”, prossegue, “a conduta da tomadora dos serviços, ante a suspeita de que a reclamante teria invadido o computador do Ministro da Saúde, foi abusiva e desrespeitosa, pois ela foi dispensada aos gritos, diante de todos os colegas de trabalho e, por fim, conduzida pelos seguranças da segunda reclamada até a porta de saída”.

Segundo a sentença, foi aberto um procedimento interno de apuração e a invasão do sítio eletrônico do Ministério não apurou qualquer responsabilidade de Osmarina.

“Com a decisão, espero não só a indenização, mas voltar ao mercado de trabalho também”, sonha a trabalhadora Osmarina Alves do Nascimento.

“A decisão significa um grito de resistência”, avalia Thiago Campos, especialista em Direito Sanitário e advogado de Osmarina.

“Reforça o papel essencial que a luta democrática deve exercer nesse momento histórico do país”, frisa.

“Em meio a tantas derrotas nesse Brasil pós-impeachment, vale a pena comemorar as pequenas vitórias”, acrescenta.

Confira a íntegra da entrevista de Thiago Campo a Conceição Lemes.

Viomundo – Pelo que eu li, a Osmarina foi humilhada no corredor do Ministério da Saúde na frente de outros colegas de trabalho. Como foi isso?

Thiago Campos – Ao ser constatada a invasão da rede, o Ministério da Saúde acionou o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) a fim de apurar o ocorrido.

Os técnicos de Datasus, acompanhados de seguranças do Ministério, foram até a SGETS retirar os computadores que elas usavam para averiguação.

Foi quando, então, a senhora Ana Paula Schiavone, chegou ao local e passou a humilhar Osmarina. Em voz alta, em tom agressivo, comunicou-lhe a exoneração (sic), responsabilizando-a pela alteração na agenda do ministro.

Um triste episódio já que a SGETS é o órgão responsável por formular políticas públicas orientadoras da gestão, formação e qualificação dos trabalhadores e de fazer a regulação profissional na área da saúde do Brasil.

Viomundo – Qual era a função da Ana Paula Schiavone?

Thiago Campos – Era responsável pela gestão da Secretaria. Natural de Maringá, terra natal do ex-ministro, ela chegou a ocupar o cargo de diretora da SGETS. Foi nomeada em 2016 e exonerada do cargo em 22 de maio de 2018.

Viomundo —  Descobriu-se quem alterou a agenda do ministro?

Thiago Campos – Até hoje, não. Foi aberto procedimento administrativo na Corregedoria do Ministério da Saúde e a conclusão foi a de que nem Osmarina nem a outra colega acusada foram as responsáveis  pela alteração.

Viomundo — Com base em que as duas foram acusadas?

Thiago Campos – Segundo o ministério, a alteração havia saído da máquina de uma e transmitida para a da outra. Algo que nunca foi provado e nem demonstrado pelo Datasus.

Viomundo – A empresa não fez nada para defender a Osmarina?

Thiago Campos — Segundo relatos, a empresa terceirizada recebeu do ministério no dia do ocorrido um ofício determinando a retirada dela do posto de trabalho. Optou por mantê-la no vínculo por cerca de uma semana, aguardando a deliberação do Ministério da Saúde e depois a demitiu.

Não falou com ela sobre o ocorrido, não esclareceu os motivos de sua mudança de lotação nem de sua posterior rescisão, efetuando-a sem justa causa.

Viomundo – A Osmarina pleiteava quanto de indenização?

Thiago Campos – Não solicitamos na ação um valor exato, mas pedimos que ele fosse arbitrado pelo juiz de acordo com a gravidade do caso, de modo a reparar o dano sofrido e inibir condutas semelhantes.

O relator do processo no Tribunal negou provimento ao recurso. Contudo, o desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho proferiu voto favorável, tendo sido acompanhado pela maioria.

Viomundo – E o valor da indenização?

Thiago Campos – O voto do desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho foi por fixação da indenização em R$ 30 mil. Neste ponto, porém,  ele ficou vencido, tendo sido determinado pela maioria o valor de R$15 mil de indenização.

Viomundo – O Ministério da Saúde vai ter de pagar uma parte da indenização e a empresa, outra?

Thiago Campos – A condenação da União foi subsidiária e, por isso, apenas em caso de não pagamento do valor pela empresa é que a União será acionada.

Viomundo – Cabe recurso?

Thiago Campos — Ainda cabe recurso ao TST, mas para o seu recebimento a Justiça do trabalho impõe a realização de depósito recursal no valor de R$ 19.026,32.

Além disso, não são mais discutidos no recurso fatos e provas, limitando-se, no caso, à discussão de natureza processual ou relativa ao valor da indenização.

Viomundo – O que significa essa decisão num momento de retirada de direitos como vivemos?

Thiago Campos — Os fatos discutidos no processo evidenciam a truculência  e arbitrariedade dos governos instalados no país desde o impeachment da presidenta Dilma.

A decisão significa um grito de resistência, reforçando o papel essencial que a luta democrática deve exercer nesse momento histórico do país.

Reacende a esperança para aqueles que estão vivenciando situação semelhantes, sinalizando que a Justiça do Trabalho ainda pode ser um farol da democracia.

(Fonte: CUT)