Escrito por: Lia Bianchini Brasil de Fato | Curitiba (PR)
Militância está há mais de 200 dias em frente à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba / Foto: Ricardo Stuckert
Às 19h de domingo, 28 de outubro, cerca de 80 pessoas se reuniam na Vigília Lula Livre, em Curitiba, para saudar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o tradicional “boa noite, presidente Lula”.
Três minutos mais tarde, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgava a primeira parcial do segundo turno da eleição presidencial, com 55,70% dos votos para Jair Bolsonaro (PSL) e 44,30% para Fernando Haddad (PT). Ao final das apurações, Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, com 55,1% dos votos.
Diante da derrota do candidato petista, os manifestantes da Vigília Lula Livre se dirigiram para o Centro de Formação e Cultura Marielle Vive, localizado a poucos metros da Superintendência da Polícia Federal. As ruas do entorno foram tomadas por manifestantes pró-Bolsonaro, que cantavam o hino nacional em frente à PF e exaltavam a vitória de seu candidato aos gritos.
Para Roberto Baggio, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Paraná e da Vigília Lula Livre, a vitória de Bolsonaro foi apenas eleitoral. Agora, abre-se um campo de novas possibilidades e novos desafios para a esquerda reconquistar a população.
“Hoje de manhã, todo mundo volta a trabalhar e produzir riqueza para os ricos. A contradição, os problemas sociais continuam existindo. A nossa militância tem que entender que eles tiveram ontem uma vitória eleitoral, mas do ponto de vista político a esquerda não saiu fragilizada, destruída ou derrotada, a esquerda saiu bem posicionada”, diz.
Os 44,87% de votos que Fernando Haddad (PT) teve no segundo turno representam 47.040.906 eleitores. Na Câmara, o PT elegeu a maior bancada entre os partidos, com 56 parlamentares. Unindo aos eleitos de PCdoB e PSOL os partidos de esquerda totalizam 75 parlamentares. Já para o Senado, foram eleitos seis parlamentares petistas.
Na visão de Baggio, a linha política construída a partir da Vigília Lula Livre, de denúncia das arbitrariedades do Poder Judiciário, deve ser o fio condutor da militância daqui para frente. O dirigente entende que a eleição de Bolsonaro foi mais uma etapa do golpe de Estado que o Brasil vivencia desde 2016, com o impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff.
“O golpe é econômico, político, judiciário, midiático, é um golpe completo. Hoje, o que dá as garantias da apropriação da riqueza, da criminalização do movimento social, da manutenção do Lula preso, da entrega da nossa riqueza para o mundo e a retirada de direitos é o Poder Judiciário”, afirma.
A denúncia do sistema judiciário deve ser acompanhada de outra tarefa fundamental para a esquerda, segundo Baggio, que é a retomada do trabalho de base e da inserção no dia-a-dia da população, seja nos bairros, nas igrejas ou nos sindicatos.
Neste segundo turno, o total de abstenção foi de 21,30% (mais de 30 milhões de pessoas) e o de brancos e nulos foi de 9,57%, mais de 11 milhões de pessoas). Para Baggio, os números mostram que a sociedade brasileira não está polarizada, mas sim dividida em três estratos: as pessoas que se veem representadas pelo projeto da esquerda, as pessoas que votam conscientemente no projeto da direita e “os setores médios”, que mudam “conforme o momento histórico” e devem ser disputados pela esquerda a partir de agora.
“A esquerda brasileira precisa voltar a se conectar com o povo, retomar um trabalho popular, um trabalho de base. Não existe ou existe muito pouco um trabalho permanente de base. E trabalho de base não pode ser confundido com participar da eleição a cada dois anos ou achar que política se resume à eleição a cada dois anos”, diz.
A projeção é de que a Vigília Lula Livre permaneça em frente à Superintendência da Polícia Federal de Curitiba enquanto o ex-presidente Lula estiver mantido preso naquele prédio. A expectativa é que o trabalho de mobilização desempenhado no terreno da Vigília, que envolve rodas de conversas sobre temas políticos e atividades culturais, seja fortalecida e possa servir como incentivo para iniciativas políticas em outros bairros da cidade.
“A única força real é a organização do povo. [Temos que] apostar em iniciativas que constroem processos populares, organização popular, formação política. E o centro de tudo está na participação. A política tem que ser sinônimo de participação e participação não é só o voto. O voto é um momento, participação é construir processos que constituem o poder popular”, afirma Baggio.